Artigo de fr. Alois publicado em 2011 na revista Concilium

“Paixão pela unidade do Corpo de Cristo”

O caminho de comunhão seguido em Taizé

O Cristo de comunhão

Se tivéssemos pedido ao irmão Roger, qual era o ponto central da fé cristã, ele poderia ter se referido a sua mãe: ela disse que as palavras de São João "Deus é amor" eram suficientes para ela. Também para ele, o coração do Evangelho estava aí. A visão de Deus como um juiz severo tinha causado estragos nas mentes de muitas pessoas. Ele pegou o ponto de vista oposto, dizendo: Deus só pode amar.

Ele dizia às vezes aos jovens reunidos em Taizé: "Se Cristo não tivesse ressuscitado, não estaríamos aqui.” A ressurreição é o centro da fé, ela é um sinal de que Deus ama sem limites. Ela reuniu os discípulos que a Sexta-feira Santa tinha dispersado e ela continua reunindo os cristãos: o primeiro fruto é a comunhão nova nascida do seu mistério.

O “necessarium unum”, pelo qual tudo segura e sem a qual tudo cai, é Cristo, o Ressuscitado, presente em nosso meio, em um vínculo pessoal de amor com cada um e que nos põe em comunhão uns com os outros. Irmão Roger chamou-o "Cristo de comunhão."

Eu, então, gostaria de mostrar como Taizé foi levado à viver "a paixão pela unidade do Corpo de Cristo." Além de nossa comunidade, essa experiência pode ajudar a outros avançar em direção à reconciliação?

A comunhão recebida como um dom

Em seu último livro, publicado algumas semanas antes de sua morte, o irmão Roger escreveu: “Cristo é comunhão ... Ele não veio à terra para criar uma religião a mais, mas para oferecer a todos uma comunhão em Deus ..." Comunhão é um dos nomes mais belos da Igreja.”

O lema da vida do irmão Roger e da nossa comunidade são as palavras de Cristo: "Que todos sejam um! Como tu, Pai, és em mim e eu em ti, que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste. "

Muitas vezes, essas palavras “que todos sejam um” são interpretadas como uma exigência à pôr em prática. Mas primeiro elas expressam o dom que Cristo deu a humanidade: ele nos carrega e nos faz entrar com ele na comunhão da Santíssima Trindade, ele nos faz “participantes da natureza divina.” Ele não só reza para que todos sejam um, mas que todos sejam um “em nós”. Nós podemos ser imensamente gratos a teologia ortodoxa por demonstrar isso de maneira tão profunda.

Ele pede que “todos” sejam um: este dom não está reservado a alguns, é oferecido a todos os que levam o nome de Cristo, é para toda a humanidade.

A Redenção contém o dom da unidade: a unidade do homem com Deus, unidade interior como cura de cada pessoa, a unidade de toda a família humana e de toda a criação. Nós não podemos ter a unidade com Deus, sem ter a unidade entre todos os homens. A finalidade da Igreja é ser sinal visível, deste sacramento. “A Igreja é em Cristo, o sacramento, isto é, ao mesmo tempo sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de toda a humanidade.”

O Ecumenismo e a comunhão em Deus

Se a comunhão é um dom de Deus, então o ecumenismo não deve ser primeiro um esforço humano para harmonizar diferentes tradições. Deve colocar-nos na verdade da redenção de Cristo, que orou: "Eu desejo que onde eu estiver, eles estejam também comigo." O apóstolo Paulo disse:" Nossa vida está escondida com Cristo em Deus. "

O primeiro esforço ecumênico é tentar viver em comunhão com Deus em Cristo através do Espírito Santo. É verdade que as igrejas e comunidades eclesiais, às vezes, mostram caminhos diferentes para alcançar esta comunhão. No entanto, mais profunda é a pertença de cada um a Cristo, mais nos é dado um olhar justo em relação aos outros: são vistos como irmãos e irmãs. Devemos ir ainda mais longe: reconhecer que os outros são irmãs e irmãos; sinais de uma verdadeira pertença em Cristo.

Isto requer uma purificação da nossa forma de crer, uma “conversão” sempre retomada na “Ecclesia semper reformanda”.

Um dos documentos do grupo de Dombes forneceu uma base sólida para esta visão chamando a dar prioridade à identidade batismal sobre a identidade confessional. Este documento distingue em ordem decrescente de prioridade, a identidade cristã (batismo), eclesial e confessional. O Confessionalismo “inverteu a ordem das prioridades” hoje “identidade cristã é reduzida à identidade eclesial e por sua vez, a identidade confessional”. “Assim, a identidade confessional” foi posta em primeiro lugar. O documento chama às igrejas a entrar em uma “dinâmica de conversão”.

 

A reconciliação, uma troca de dons

 

Ao longo dos séculos, os cristãos se acostumaram a ser divididos, como se isso fosse normal. Para preparar uma reconciliação, o irmão Roger nos ensinou, a nós irmãos, a valorizar o melhor das diferentes tradições. Então pode se realizar uma troca de dons: compartilhar o que temos recebido de Deus, e ver também os dons que Deus depositou, nos outros. Sem reunir assim os dons do Espírito Santo, como os cristãos e poderiam ser testemunhas de unidade e paz na família humana?

Uma troca de dons começou, uma estima recíproca é aprofundada. Muitos entenderam que alguns aspectos do mistério da fé tem sido mais bem valorizado por uma outra tradição diferente da sua. Como ir mais longe em compartilhar esses tesouros? E quais são esses tesouros?

Os cristãos do Oriente centram-se sobre a ressurreição de Cristo que já transfigura o mundo. Não é graças a isso que muitos deles têm sido capazes de atravessar décadas de sofrimento nos séculos passados? O Oriente guardou os ensinamentos dos Padres da Igreja com grande fidelidade. A vida monastica, que o Oriente deu para o Ocidente, insuflou em toda a Igreja uma vida de contemplação. Os cristãos ocidentais poderiam ser mais abertos a esses tesouros?

Os cristãos da Reforma enfatizaram certas realidades do Evangelho: Deus oferece o seu amor gratuitamente, pela sua Palavra, ele sai ao encontro de quem o escuta e põe em prática a Palavra; a singela confiança da fé leva à liberdade dos Filhos de Deus, à proximidade de uma vida com Deus; cantar juntos interioriza a Palavra de Deus. Esses valores que estão ligados aos cristãos da Reforma, não são essenciais a todos?

A Igreja Católica manteve visível, ao longo da história, a universalidade da comunhão em Cristo. Constantemente, ela procurou um equilíbrio entre a Igreja local e a Igreja universal. Uma não pode existir sem a outra. Um ministério de comunhão em todos os níveis ajuda a manter a unanimidade da fé. Todos os batizados não poderiam ir mais longe numa compreensão progressiva deste ministério?

O caminho do irmão Roger

Será que é porque o irmão Roger foi coerente até o fim com esta visão da Igreja reunindo todos os batizados, ele foi reconhecido por vários líderes da igreja como um irmão que partilha com todos a comunhão em Cristo? "Seu testemunho de um ecumenismo da santidade nos inspira em nossa marcha para a unidade", escreveu o Papa Bento XVI cinco anos após sua morte. Patriarca Bartolomeu de Constantinopla acrescentou: “Esta busca da unidade, alegria, humildade, amor e verdade, tanto em relação ao outro, “sacramento do irmão”, tanto quanto no relacionamento com Deus, "sacramento do altar", resume a essência da abordagem de Taizé.” “Combinando a fidelidade ao ensinamento dos Santos Padres com uma atualização no ministério criativo missionário entre os jovens de hoje caracterizava o caminho do irmão Roger, como o da comunidade fundada por ele”, comentou o Patriarca Kirill de Moscovo . E o Secretário Geral do Conselho Mundial das Igrejas, Olav FykseTveit, lembrou o que o irmão Roger fez “inspirou as igrejas do mundo inteiro.”

O irmão Roger vivia em Cristo. É isso que lhe deu para discernir a presença de Cristo nos outros? Ele não se deixou paralisar pelas divisões entre diferentes tendências. Por exemplo, no Concílio Vaticano II, onde ele estava presente como observador, muitos ficaram surpresos que ele foi capaz de estabelecer relações fraternas tanto com Cardeal Ottaviani quanto com Dom Helder Camara. Ele descobriu Cristo nos batizados de todas as confissões. Ele reconhecia mulheres e homens como "portadores de Cristo" mesmo que não professassem uma fé explícita, mas foram testemunhas da caridade e da paz: ". Alguns deles nos precedem no Reino.

Ao longo de sua caminhada, não se preocupou em perder a sua identidade. Ele viu a identidade de um cristão, antes de tudo em comunhão com Cristo que se amplifica na comunhão com todos aqueles que são de Cristo. Ele deu um passo com sua vida que não tem precedentes desde a Reforma, e ele veio a dizer: "Eu encontrei a minha própria identidade de cristão reconciliando em mim mesmo a fé das minhas origens com o mistério da fé católica, sem ruptura de comunhão com ninguém. "E às vezes ele poderia acrescentar:" ... e com a fé ortodoxa ", ele se sentiu tão perto das Igrejas Ortodoxas.

Entrar em comunhão com o outro, sem uma ruptura com suas origens: como essa abordagem era muito nova, era fácil interpretar erroniamente e não se entendia o alcance.

A Comunidade, parábola da comunhão

Muito jovem irmão Roger teve a intuição de que a vida em comunidade, vivida por homens que sempre procuram se reconciliar, poderia tornar-se um sinal: esta é a vocação fundante de Taizé, que ele chamou de "uma parábola de comunhão ".

Mas a vida monástica tinha desaparecido das Igrejas da Reforma. Assim, sem negar suas origens, criou uma comunidade que tem suas raízes na Igreja indivisa, anterior ao protestantismo, e que, por sua própria existência está ligada inseparavelmente com a tradição católica e ortodoxa.

Ele estava convencido de que tal comunidade poderia dar visibilidade à unidade do Corpo de Cristo que não é só diante de nós como uma meta, mas que já existe em Deus. A Igreja é dividida, mas nas suas profundezas é indivisível. No coração de Deus é uma. Cabe a nós então criar lugares onde esta unidade pode emergir e se manifestar.

Em um livro sobre nossa comunidade, o teólogo ortodoxo Olivier Clement escreveu algumas linhas que ajudaram a nós mesmos a compreender melhor nossa vida: "Há uma só igreja, cujo alicerce invisível sustenta a todas, e, portanto, a unidade não é de construir, mas para descobrir: reemergência da Igreja indivisa, que, apesar das crises de identidade, é provavelmente o fenómeno decisivo do nosso tempo. Então, Olivier Clement aplica este pensamento para a nossa comunidade:" A parábola de Taizé existe para lembrar que a Igreja dividida continua a ser a Igreja una. Os homens crucificam o Corpo de Cristo, tentando dividi-lo sem poder lograr: Em sua essencia a Igreja é una.

O irmão Roger estava embebido na sua pessoa na plena comunhão, embora que nascido em uma Igreja da Reforma, ele queria que a comunidade que ele criou antecipasse a comunhão com a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas.

A nossa comunidade tem procurado desde o início expressar a comunhão com a Igreja Ortodoxa. Em 1965, o Patriarca Atenágoras enviou monges para Taizé com desejo de partilhar muitos anos de vida monástica conosco. Laços de amizade, de confiança com as Igrejas Ortodoxas foram aprofundados até hoje.
Nossa comunidade, é composta de irmãos católicos e evangelicos, fez surgir a pergunta: como superar a barreira de separação entre essas duas tradições?

Para o irmão Roger em sua vida pessoal, entrar progressivamente numa plena comunhão com a Igreja Católica tornou-se uma realidade de duas maneiras: receber a Eucaristia e reconhecer a necessidade de um ministério de unidade exercido pelo Bispo de Roma. Nisto ele não viu um retrocesso tipo "ecumenismo de retorno", porque segundo ele, desde João XXIII e do Vaticano II, a Igreja Católica acolheu as aspirações da Reforma: a prioridade do graça de Deus, a liberdade de consciência, a fé centrada em Cristo, a importância dada à Palavra. E ele teria gostado de saber que em 2008 houve o Sínodo dos Bispos em Roma dedicado à Palavra de Deus, e que lembrou que as duas realidades já unem todos os cristãos, o Batismo e a Palavra de Deus.

O caminho do irmão Roger é delicado, exigente, e nós não terminamos a explorá-la: trilhando o seu caminho, gostaríamos de antecipar a reconciliação através de nossas vidas, vivendo já reconciliados, e esta experiência certamente prepara um progresso na teologia. Na história da Igreja a fé vivida não é sempre precedida a expressão teológica? A nossa comunidade tem realizado duas metas:

- Desde 1973, com o consentimento e incentivo do Bispo de Autun, a diocese onde Taizé se localiza, todos nós recebemos a eucaristia da Igreja Católica. Era a única possibilidade que nos foi oferecida para comungar juntos. A busca da teologia ecumênica, em especial a do nosso irmão Max sobre o significado do memorial, nos abriu a uma compreensão comum da Eucaristia.

- Vários anos antes, no Conselho anual de 1969, os irmãos descobriram que a mera presença de irmãos católicos na comunidade era "viver cada vez mais uma antecipação da unidade, mantendo-nos em comunhão com aquele que tem o ministério do servo dos servos de Deus. "Irmão Roger naquela época muitas vezes falou do papel do pastor universal em vista da Unidade dos Cristãos, e citou alguns lembretes do jovem Lutero: convidar aqueles que se separaram da Igreja Romana para " acudir e não fugir , chorar, exortar, persuadir e fazer o impossível para não haver a divisão. "Nossa comunidade se convenceu de que a reconciliação dos não-católicos com a Igreja de Roma não se fazia colocando continuamente condições, mas ajudando-a evoluir a partir de dentro. O século XX mostrou como o ministério petrino foi capaz de mudar. João Paulo II chamou os não-católicos para ajudar nesta evolução.

Essas duas metas, os irmãos de nossa comunidade que vêm de origem evangelica as assumem sem renegar a sua origem, mas como uma maior abertura da sua fé. Os irmãos que vêm de uma família católica são ganharam ao se abrir, em consonância com o Vaticano II, aos questionamentos e aos dons de igrejas da Reforma. Isto se tornou muito natural. Se esses procedimentos às vezes envolvem restrições e renúncias - pode haver reconciliação sem sacrifícios? - Alargamento de uma vida de comunhão é incomparavelmente mais importante.

Um período de transição rumo a reconciliação

Semana após semana, acolhemos em Taizé jovens de todos os países europeus, e também de outros continentes, com toda a sua diversidade. A oração três vezes ao dia nos coloca juntos na presença de Cristo. Na oração em comum o Espírito Santo nos une. O ensino bíblico dado a cada dia, aos jovens permite ir a fonte comum a todos. E refletir com eles sobre como continuar a procura no seu dia a dia.

Tentamos ajudar os jovens a vislumbrar "a unidade da Igreja" na sua visibilidade, respeitando as tradições das várias igrejas, o que implica necessariamente uma tensão. Nós observamos que muitos jovens, que passam por Taizé, no retorno participam mais ativamente na sua Igreja de origem e além disto adquirem uma maior sensibilidade pela da Igreja universal.

Nós não pretendemos ter encontrado a solução. Nossa maneira de fazer as coisas é imperfeita. Sabemos que nossa situação é temporária enquanto se aguarda a unidade plenamente realizada. A visibilidade da unidade que procuramos viver não resolver todas as questões. Mas tentamos entrar na dinâmica da reconciliação. Gostaríamos de levar os cristãos separados à aprender a pertencer uns aos outros, purificar suas próprias tradições, saber distinguir entre Tradição e tradições que são meros costumes, para avançar em um ecumenismo que não se contenta em manter os cristãos em vias paralelas. Desta forma  poderia abrir-se um período de transição para a reconciliação.

 

Eucaristia e serviço

A comunhão oferecida por Cristo faz discípulos e discípulas abertos à universalidade. Ela estimula a chegar aos outros, estar atento aos mais fracos, aqueles que são mais pobres que nós, e também aos que procuram Deus que pertencem a outras religiões ou os sem qualquer referência a Deus. Em muitos lugares, os cristãos de várias denominações vivem juntos esta abertura.

Que bom que na Quinta-Feira Santa, somos convidados a comemorar juntos a instituição da Eucaristia e o lava-pés. Um laço estreito une estes dois gestos. Através deles, talvez melhor do que palavras, Jesus mostra o que está no centro do Evangelho: "... tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. "A celebração da Eucaristia convida ao lava-pés e ao exemplo de Jesus ir até o estremo do serviço aos outros, amar como Ele amou.

Muitas vezes, o irmão Roger repetia: "Deus se une a cada ser humano, sem exceção. "Ele tinha no coração toda a humanidade, todas as nações, especialmente os mais pobres, jovens e crianças. Esta visão de comunhão universal nos levou a criar algumas fraternidades que compartilham a vida dos mais pobres na África, Ásia, América Latina, e também procurando estabelecer ligações entre as culturas e povos.

Estes irmãos não têm meios para mudar inúmeras situações de calamidade. Mas para alguns, o oferecimento diário diante da Eucaristia é como uma fonte de vida que lhes permite, pela sua mera presença, "lavar os pés" das pessoas em sua vizinhança. E aos poucos surgem pequenas iniciativas de solidariedade. Elas são apenas sinais, mas elas podem abrir um caminho para Cristo que transfigura a humanidade e abre no coração do mundo, um horizonte de esperança.

 

Assim como Cristo veio para "reunir os filhos dispersos de Deus", o "unum necessarium" ao nosso entender é ser um Nele. O Cristo é o Bom Pastor de todos. Também é a porta, ao Pai e aos outros. Será que entraremos por aquela porta na casa do Pai para nos reencontrarmos todos? Uma nova dinâmica carregaria nossas igrejas, cheia de alegria de Cristo e da confiança que Espírito Santo aos poucos vai nos mostrar o futuro

 

 


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